terça-feira, junho 05, 2007

100 % Negro

100 % Negro

O teste foi feito por pura brincadeira. Nem por um momento, ele acreditava
naquele papo de genética que estava estampado em todos os jornais e revistas
sobre negros e brancos; mas ele precisava ver pra crer e foi fazer um teste
de DNA; maldita foi a hora que tomou essa decisão. Ele era "100% negro" e
gritava isso com orgulho em suas músicas e na camiseta que usava em seus
shows. Era afro-brasileiro, favelado, pobre, que fugira das drogas em nome
da arte. Gostava de contar nos shows como escolhera o caminho da música
enquanto muitos "outros manos" acabaram mortos sob a bandeira do tráfico.
Tinha orgulho da sua origem, da cor da sua pele, mas aquele exame poderia
colocar tudo a perder.

85% de descendência branca? Como assim? Tudo bem que sua mãe era mulata e
seu avô que só conhecia de foto era um pouquinho mais claro; mas e os genes
do seu pai, aquele "negão de 02 metros"? Não! Deveria ser algum engano.
Alguma conspiração da elite branca para convencer o mundo sobre a supremacia
européia. Deveria ser engano, como 85% de descendência branca poderia ter
resultado naquela pele 100% negra que ele tinha. Não! Deveria ter alguma
explicação.

Se isso fosse verdade, toda essa idéia de "raça" iria por água abaixo. Todas
as idéias que ele defendia com unhas e dentes em suas músicas, passariam a
soar hipocritamente falsas. Todo o conceito de raça branca, negra ou amarela
seria a prova final da ignorância humana em relação ao mundo em que estão
inseridos. Se isso fosse verdade, não havia mesmo diferença entre branco e
preto e absolutamente todos seriam iguais.

Não poderia ser! Ele precisava rasgar o exame, precisava fingir que aquilo
nunca acontecera. Aquele teste de DNA nunca ocorrera de fato. Ele
continuaria 100% preto; continuaria cantando a história das comunidades
pobres e negras; ele continuaria brigando pelos direitos da minoria negra
que sempre foi oprimida pela sociedade. Afinal, as coisas deveriam
permanecer como são, tudo no devido lugar; onde já se viu preto branco ou
branco preto? Seu filho que estava pra nascer seria a prova da sua
negritude; um atestado da sua herança africana...mas e se... não! Era melhor
nem pensar sobre isso. Seu filho nasceria pretinho que nem ele e ponto
final.

Frank Oliveira
Pretinho, nordestino, que saiu de uma infância pobre, filho de pai negro e
mãe branca e feliz da vida, por morar no único país do mundo, onde ele e
tantos outros provam através da pele que racismo é pura ignorância.

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